Cavalos Urbanos
- paulaandradaseo
- 18 de set.
- 3 min de leitura
Uma cena em meio ao caos urbano me marcou dias atrás. Dois cavalos vasculhavam sacos de lixo em uma esquina da capital mineira. Fotografei essa cena na minha memória e, por dias, ela me retornava como algo que quisesse me incomodar. E realmente aquilo me tocou, me fez refletir sobre faces de uma vida urbana confusa e atormentada.

Perguntei-me sobre o verdadeiro “lugar” das coisas. Ver aqueles animais soltos no asfalto, rodeados por carros, prédios e construções contrariou todo o meu repertório particular. Até então, para mim, cavalos eram animais que remetiam a uma natureza campestre, viril, limpa e orgânica. Lembrei-me das vezes em que frequentava a fazenda de um tio meu numa cidade do interior e adorava andar a cavalo.
Galopava pelos campos, ouvindo os barulhinhos típicos do lugar, onde tempo e espaço ainda não faziam grande diferença. E depois de anos, como eu poderia não me sentir incomodada ao ver aquela cena agressiva no meio da cidade? Aquilo expressou, para mim, o avesso para o qual a humanidade caminha.
Até as coisas mais simples estão se transformando, ganhando outros significados; e a ideia de que talvez daqui há alguns anos seja comum ver cavalos comendo lixo nas ruas continua a me inquietar. É inegável a existência de um caos urbano praticamente solidificado em nossos tempos.
E embora eu saiba que esse configurado caos foi e tem sido constantemente pesquisado e analisado por especialistas do ramo, aquela cena dos cavalos se impôs com dados novos, trouxe questionamentos até então por mim inimagináveis.
O sociólogo Zygmunt Bauman, em seu livro Globalização – As consequências humanas, define bem essa situação ao relatar que hoje em dia estamos, fatalmente, todos em movimento. Esse “movimento” ao qual ele se refere não existe apenas quando nos movemos de um lugar para o outro, mas mesmo se estivermos fisicamente parados – quando, como é hábito, estamos conectados aos dispositivos eletrônicos. Enfim, saltamos para dentro e para fora dos espaços estrangeiros com, segundo Bauman, “velocidade muito superior à dos jatos supersônicos e foguetes interplanetários, sem ficar em lugar algum tempo suficiente para sermos mais do que visitantes, para nos sentirmos em casa”.
Agora, fica mais claro que a mobilidade torna-se, neste mundo globalizado e alimentado pelas novas tecnologias, o elemento de destaque e a mola gestora de todo um processo de adaptação das pessoas a um novo estilo de vida que se coloca para nós. “Não se pode ficar parado em areia movediça”, diz Bauman. E essa mobilidade adquire novo conceito além de simples movimento, transformando muitas vezes certo fluxo natural das coisas diante da nova dinâmica que se imprime, sobretudo, na rotina e no comportamento das pessoas.
E assim, ao ver os cavalos urbanos, visualizei literalmente esse movimento, como sinônimo de uma transformação distorcida das coisas. Foi inevitável imaginar o movimento físico daqueles animais, que de alguma forma migraram do campo para a cidade. Porém, foi mais inevitável ainda comprovar a existência de outro “movimento”, um movimento subjetivo, constatado pela inversão de uma certa ordem, pela abolição de um “estado de repouso”, pela certeza das alterações constantes e das diversidades típicas de uma sociedade pós-moderna.
Como conforto, continuo em movimento, imaginando e especulando que novo mundo é este que está por vir...
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✨ Paula Andrada
Mulher, escritora e eterna observadora da vida. Apaixonada por traduzir em palavras os desafios e encantos do cotidiano urbano, acredita que, apesar das mudanças ainda há muita poesia por aí!
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