Vida de bar
- paulaandradaseo
- 25 de set.
- 3 min de leitura
Mesas rodeadas de pessoas na calçada da rua. Homem em pé no balcão. Gente entrando e saindo. O garçom transitando para lá e para cá, numa missão irrevogável de atender aos desejos dos frequentadores. Cerveja gelada. Conversas ininterruptas. Bom astral. Clima único.

Por mais que eu descreva cenas de um bar, apenas aqueles que frequentam ou já o fizeram entenderão ao pé da letra tal descrição. Há coisas que precisam ser vivenciadas para serem compreendidas. Conheço todos os tipos, do boteco da esquina do centro da cidade ao bar bem-decorado da região nobre, passando pelo bar da estradinha de terra do interior de Minas Gerais.
No centro, mais especificamente na Avenida Amazonas, frequentei por longa data um dos bares mais famosos do circuito central de Belo Horizonte: Nonô - O Rei do Caldo de Mocotó. Ali, junto a um grupo da faculdade, foi o meu ponto de pesquisa e observação para um projeto de conclusão do curso de jornalismo. Ganhei experiência. Tomava uma cerveja em pé no balcão e observava todos os transeuntes, suas características, seus comportamentos. Como era bom estar nessa situação de observadora. Tanto tempo e tantas histórias resultaram num livro que hoje repousa nas prateleiras da faculdade, escrito pelo grupo.
Bares descolados e bem-decorados também não faltam. Investimentos elevados e divinas peças de design recheiam endereços sofisticados e glamorosos, que se utilizam das benesses do legítimo boteco para agregarem valor aos seus comes e bebes. Volta e meia estou experimentando um tira-gosto com molhos incrementados.
No interior de Minas e de outros estados, já passei por bares de estrada, aqueles que nos dão a sensação de ter encontrado um pedacinho da civilização, verdadeiros oásis. As placas de Coca-Cola desbotadas e da cerveja da vez nos remetem à urbanidade, nos conectam com o mundo capitalista, mesmo que nosso desejo maior seja nos distanciar dele. E passei também por bares que são o centro de convivência de toda uma cidade, sem o qual seus moradores ficariam à deriva na hora de procurar um alento, um momentinho diferente.
Ponto de encontro, cenário de novela, tema de música e de teses sociológicas, o bar é considerado, inevitavelmente, um espaço democrático. Quando sentamos numa mesa de bar, temos a sensação de que o tempo dá uma trégua, que ali teremos uma pausa para falar o que vier à cabeça, para pensar sobre o cotidiano ou pensar sobre nada. Dos assuntos mais banais e rotineiros às discussões mais acaloradas e complexas, o bar é o esteio de ideias e pensamentos ou de um simples vazio de conceitos.
Interessante também é a rotatividade e periodicidade das pessoas nos bares da vida… Uns batem ponto uma vez por semana, outros diariamente e ainda há aqueles que são quase turistas. E dentro de um dia é possível ainda identificar os turnos e seus frequentadores: a turma da manhã, a do início e fim da tarde, a do início da noite e a da madrugada. Há ainda os bares vinte e quatro horas, que fazem parte da vida dos notívagos. E nessa miscelânea de opções e ofertas, a vida de bar acontece… quase intrínseca à vida cotidiana, efetivamente como parte dela.
Em cenas da vida, Rubem Alves trata da sociologia dos bares e compara as relações que acontecem dentro desse espaço com as que ocorrem em lugares sagrados. "Há bares que se parecem com catedrais: São enormes, as pessoas se perdem na multidão. Ir lá é como participar de uma Romaria".
Segundo Alves, outros bares se parecem com pequenas capelas e mosteiros: "As relações são íntimas, as pessoas se conhecem, os garçons são chamados pelo nome. Um frequentador não é um cliente. Ele tem nome. Aí muitas coisas interessantes podem acontecer. Muita filosofia e muito amor nasceram numa mesa de bar".
Inevitável comentar a larga diferença entre o bar e o restaurante, diferença que o autor define com a alta propriedade: "Não tem nada a ver com o restaurante, em que raspado o prato vai-se embora. Barriga cheia, não há mais o que fazer. O tempo anda rápido. Nos bares é diferente: o tempo para. Não se vai lá pensando em sair, mas em se desfazer dos objetivos do tempo”.
Numa época dominada pela falta de tempo, em que as visitas não agendadas aos amigos saíram de moda, o bar se torna um local onde é possível chegar a qualquer hora, interagir com o outro, externar sentimentos, pensamentos, conhecimentos... Sendo assim, não podemos deixar que ele perca status em nossas vidas, afinal, não é do dia para a noite que construímos hábitos e costumes que nos ofertam prazer, momentos de leveza e de descontração. Um brinde à vida de bar!
---------------------------------------------------------------------
✨ Paula Andrada
Jornalista, escritora e eterna observadora dos bares da vida. Apaixonada por traduzir em palavras os desafios e encantos do cotidiano urbano, acredita que, apesar das mudanças no mundo, ainda há muita poesia por aí!
.png)



Comentários