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Paula Andrada

Perfumaria da vida

Atualizado: 23 de set.

Um cheiro pode nos trazer uma enxurrada de lembranças, influenciar em nosso humor e afetar nosso desempenho em diversas áreas. A relação do nosso olfato com a memória é estreita, como se tivéssemos um "cérebro emocional" que traz à tona lembranças e respostas poderosas quase que instantaneamente. Muitos momentos de nossa vida têm cheiros e trazem a nós sensações e gostos muito particulares, relacionados às nossas vivências e ao nosso repertório de experiências pessoais.


Em um passeio de férias, ao entrar no toalete de um pequeno restaurante, deparei com um vidro embaçado de Alfazema. A embalagem já desgastada do tempo e do uso apresentava-se ali, naquele cantinho, e foi responsável por me levar a devagar sobre doces lembranças de minha infância. Peguei o vidro e concentrei-me na imagem daquela camponesa carregando uma grande quantidade de arbustos do gênero. Uma imagem provençal que trouxe à minha memória olfativa o doce e sereno perfume da lavanda. .


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Que frescor! Alfazema, sabe? O clichê das avós.

Ah, eu sei, minha avó sempre diz que o anjo da guarda gosta do cheiro levinho que a gente tem e que lavanda faz com que ele te acompanhe. Todo mundo quer boa companhia todo dia e, naquele momento, eu quis a do meu anjo da guarda, do cheirinho de lavanda, daquela alfazema que ninguém mais se importa -  porque existem perfumes importados, e embalagens assim, e cheiros tal, mas nenhum deles com cheirinho de vó.


Aquele momento me levou a refletir sobre dezenas de ícones de nossa memória. Produtos, embalagens e cheiros que permeiam nossas vidas e, muitas vezes, tornam-se esquecidos no armário ou realmente fora de circulação, literalmente "fora de linha".


Não se lembra do Phebo? Considerados adornos nos banheiros de diversas casas brasileiras, são sabonetes de glicerina escuros, ovais e com fragrâncias características. Fizeram história, resistiram ao tempo e ainda repousam nas prateleiras dos supermercados. Impossível não recordar do Phebo - odor de rosas - em sua fiel embalagem amarela, vermelha e preta, peça coringa no banheiro do meu pai e do meu avô. Dia desses, comprei um para usar no meu banho e, simplesmente, relembrar-me do cheirinho da minha casa, do meu pai, do meu avô. Refresco no banho e na memória.


Inevitável esquecer também o odor (e o gosto) do creme dental Kolynos, produto legítimo quando o assunto era higiene bucal. Cheirinho de limpeza e frescor. Sua caixinha nas cores verde amarela perdura em nossas lembranças, e as propagandas que se utilizavam do slogan Ahhh!!!! se tornaram inesquecíveis para muitas gerações.


Em 2003, comemorou-se o Centenário do Polvilho antisséptico Granado. Como se não lembrar desse cheiro tão único e específico. Esse é um sobrevivente à modernidade e ainda conquista novos usuários nas prateleiras das farmácias. A Granado, empresa fundada em 1870, é o sucesso da tradição botica mais antiga do Brasil, permanecendo com fragrâncias que nos fazem voltar no tempo.


Seria infindável a lista de produtos com odores que nos remetem às ricas lembranças do passado. Mas não só cheiros de produtos mercadológicos preenchem nossa memória olfativa. Há outros que nos circundam em diversos ramos de nossas vidas.


O cheiro da roupa guardada, do armário, da mãe, do pai, do bolo, do café (cheiro de casa). Cheiro da grama molhada, da terra, do esterco do gado (cheiro de fazenda). O cheiro do mar, do peixe, do suor, do protetor solar (cheiro de praia, de férias). O cheiro da poluição, do cigarro, da boate, do bar, da noite (cheiro de cidade). O cheiro convidativo de um home spray de uma grife sofisticada que nos toca nos corredores dos shoppings, cheiro de pipoca, de fast food, de brinquedo novo (cheiro de consumo). Enfim, o cheiro de um mundo vivido, experimentado e sentido.

 


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